O que está para além do questionamento? Aí temos uma reflexão fundamental que o vídeo de Jacques Derrida tão bem estimula.




Caro amigo José Pedro Trindade. Acertaste em cheio nesta preocupação sobre o questionamento Humano que tanto me tem dilacerado nos últimos tempos. O vídeo de Jacques Derrida (1930/2004) é soberbo e a forma como ele completa Heidegger (1889/1976) é colossal.
Mergulhados na banalização dos “porquês”, que estas sociedades auto-proclamadas de livres tanto gostam de estimular, achando que com isso estão a democratizar o Homo Sapiens Sapiens mas, ao mesmo tempo, negando-lhe os meios para que este use e tire partido da liberdade, esquecem-se que o fundamental é o que está por detrás desses “porquês”. O que estimula a fazerem-se umas perguntas e não outras? Quais são os desejos e ansiedades que potenciam ou silenciam umas dúvidas, uns interesses em vez de outros?

Como bem sabes, toda a investigação científica parte desta premissa básica. Ou existe “pergunta de partida” ou não se produz pesquisa. A Tese universitária de licenciatura (1º Ciclo), a de mestrado (2º Ciclo), a de doutoramento (3º Ciclo) é domesticamente controlada com essa capacidade literária de ter na manga uma “pergunta de partida”.
Poucos são os que têm a honestidade de se interrogarem porque fazem essa “pergunta de partida”? O que os move a querer resolver uma questão e não outra? Não seria lógico indagar se a mesma é resultante de uma dependência de mecenas que modernamente e higienicamente se chamam gestores de “bolsas”, de uma solidariedade ideológica, de uma consciencialização de classe social, de uma solidariedade de pertença sexual, de uma identidade étnica ou religiosa. Esta busca deveria marcar como ponto de partida qualquer tarefa de investigação e talvez fomentasse uma Ética Deontológica nos investigadores que se tem perdido.

Transformada que está, em grande medida, a Humanidade num conjunto de adolescentes que levantam questões sem nunca terem realizado um esforço de resposta, ou não sabendo escutar, com humildade, os que tentam realizar tal tarefa, vir recordar que o Homem que se destaca é o que se centra mentalmente no tempo anterior às perguntas, põe-nos a pensar.
É arrepiante o grau de interrogatório que as sociedades actuais atingiram, em que tudo é questionado e em que qualquer um se sente capacitado para fazer perguntas. Por de trás dos seus mentores não existe normalmente substrato de reflexão, capacidade ou experiência em produzir respostas, nem vontade de ouvir os que confrontados ou espevitados a realizá-las ousam o exercício de tal tarefa.
O mais grave é já nem saberem ouvir, já não possuírem capacidade para esperar por uma resposta, pararem um pouco a pensar apenas no que se perguntou e que possibilidades existem de estimular o verbo Responder. No limite o Direito de Contestar, que é um caso particular de Direito de Responder, está ameaçado. E nós, por dever de ofício de conviver no ensino com tanta gente, podemos dizer que esta é uma das grandes “doenças” sociais actuais que nos afectam a todos e nos conduzem para um “deserto de espíritos” que é o mais atroz dos totalitarismos.
Obrigado José Pedro por me obrigares a pensar quais são as razões que me levam a interessar mais por uns assuntos do que outros. Em suma a levantar umas questões e não outras.

Como amigo sugiro ao teu desafio oportuno de Jacques Derrida (1930/2004) que meditemos em Gilles Deleuze (1925/1995), que na sua concepção da importância do DESEJO e da VITALIDADE na reflexão e na acção humana, e numa obra tão relevante para assuntos que te dizem respeito como o papel da Estética e da Arte para a condição e realização humana, adverte-nos para a importância de estarmos preparados para superar os desafios que nos surgem. Ele tem uma curta frase que é paradigmática a este respeito e ainda por cima sem complexos remetia para a ÉTICA, com consciência plena que está a falar de um saber situado entre a FILOSOFIA e a MORAL: “ÉTICA É ESTARMOS À ALTURA DO QUE NOS ACONTECE”.
Se formos atentos connosco próprios, capazes de nos auscultar por dentro num processo ontológico centrado no Ser, temos de reconhecer que no trabalho, na saúde, na amizade, no amor, em suma na “gestão” da nossa existência, fracassamos quando o nosso carácter não está à altura do que nos acontece inesperadamente. Em tais circunstâncias ser perspicaz a fazer perguntas não chega. E os que só mergulham no “porquê que isto me acontece e logo a mim” costumam ter fim trágico não conciliado sequer com a sua vida biológica e a sua dignidade humana.