A arrumar livros, após preparar umas aulas de Ética e Deontologia, não é que encalho em Karl Popper da melhor forma!

Vivemos derradeiramente momentos em que o desvario de promessas activadas nas situações mais variadas é mentor de altas expectativas, projectos grandiosos rapidamente geradores de todo o tipo de decepções e frustrações. Nuns casos, pensemos na classe política e empresarial (indistinta em muitas sociedades), uma «minoria exerce a actividade sobre a maioria». Em muitos mais casos aplica-se a máxima igualitária «meio mundo tenta enganar o outro meio mundo».
A gravidade do problema é grande e parte da megalomania dos que pensam, dramaticamente quando podem, estar na posse de soluções para os receios e medos que assolam as sociedades. Para quando valorizar-se o se ser parco nas promessas, nas capacidades de resolução dos problemas, na vaidade de se pensar que se pode alterar materialmente e psicologicamente o próximo.
O desvario na matéria é total. A política “cria” a sociedade, a medicina “dá” saúde, a amizade “fabrica” felicidade, existe quem “faça” amor. O Homo Sapiens Sapiens (nos dois géneros) bem pode comprar muitas cadernetas para coleccionar cromos de decepções.
Querem salvar a humanidade sem, individualmente, salvarem ninguém. Prometem na generalização sem concretizar na individualização. João Carlos Espada, na sua perspicácia politológica e profundamente conhecedor da obra de Karl Popper, capta o pensamento deste último de forma magistral (ainda bem que andei a arrumar livros):

“Finalmente, Popper sustenta que a engenharia social parcelar da sociedade aberta deve ser inspirada por uma máxima negativa que consiste em «aliviar o sofrimento humano susceptível de ser aliviado». De certa forma, trata-se de uma versão negativa da máxima utilitarista de «maximizar a felicidade do maior número». A versão negativa é preferível pelas mesmas razões que, em politica, é preferível combater males concretos do que promover bens abstractos. Em primeiro lugar, porque é mais fácil definir objectivamente sofrimento do que felicidade. Em segundo lugar, o sofrimento alheio é susceptível de produzir um directo apelo moral, o que não acontece necessariamente com a promoção da felicidade de terceiros. Finalmente a promoção da felicidade dos outros frequentemente envolve a intromissão nas suas vidas privadas e em posição sobre eles de uma hierarquia de valores – o que é desnecessário ou apenas excepcionalmente necessário quando se trata de aliviar o sofrimento ou combater males conhecidos”.

ESPADA, João Carlos, ROSAS, João Cardoso (Organizadores - 2004) Pensamento Político Contemporâneo. Uma introdução. Bertand Editoa, 1ª ed., p. 22.

Aprender com os erros no pensamento de Karl Popper (1902/1994)

Na sequência do último post têm-me perguntado, sinteticamente, o que no pensamento de Karl Popper (1902/1994) mais me fascina. Abstraindo as suas contribuições académicas vou-me centrar, apenas, no “Homem”. Sempre me fez grande impressão cruzar-me com pessoas que acham que «não erram» ou, mais humildemente, «raramente se enganam». Popper faz do erro aprendizagem, num confronto em que não medita que temos de o aceitar, apenas, quando ele é detectado, mas defendendo que só crescemos intelectualmente e humanamente quando o encontramos sem medo com a coragem, até, de o procurarmos.

“O que é mais importante é adoptar uma atitude crítica e compreender que não é apenas a tentativa que é necessária, mas também o erro. E tem de aprender não só a esperar que haja erros, mas também procura-los conscientemente. Todos nós temos uma tendência pouco científica para pensar que temos sempre razão, e esta tendência parece ser especialmente comum entre políticos profissionais e amadores. Mas a única maneira de aplicar algo que se assemelhe a um método científico em politica é agir com base no pressuposto de que não há acção politica nenhuma que não tenha inconvenientes, que não tenha consequências indesejáveis. Estar atento aos erros, identifica-los, revelá-los abertamente, analisá-los e aprender com eles, é isto que faz um politico científico e é, também, o que deve fazer um cientista político. Em politica, o método cientifico significa que a grande arte de nos convencermos de que não cometemos erros nenhum, de os ignorar, de os esconder e de responsabilizar terceiros pelos erros cometidos é substituída pela arte maior de aceitar responsabilidades por esses erros, tentar aprender com eles e aplicar o conhecimento assim adquirido de modo a evitarmos os mesmos erros no futuro”.

POPPER, Karl (2007), A Pobreza do Historicismo, Esfera do Caos editores, 1ª ed. p. 84.