TEMPO. Realidade traiçoeira

O mês de Fevereiro sempre me foi, particularmente, propício para meditar sobre o TEMPO, a vida e a existência. Não acontece ao acaso. É de longe o mês em que conheço mais pessoas a fazerem anos e dá-se a coincidência, também, de ser nele que ocorre o meu aniversário natalício.
Sempre achei o TEMPO, e a forma como ele é usado, dos mistérios mais refinados. Medir sobre este conceito é das funções mais complexas. Desde logo do ponto de vista quantitativo e qualitativo podemos ter percepções diversas. Vejamos para sermos mais inteligíveis.
Matematicamente o século XIX começou no dia 1 de Janeiro de 1801 e terminou em 31 de Dezembro de 1900, o século XX surgiu no primeiro dia do ano de 1901 e terminou, somente, no final de Dezembro de 2000, apesar dos estrondosos festejos, errados, um ano antes que arrastaram, em falácia, o próprio prestígio do fim e surgimento de um novo milénio. Neste momento, em 2010, ainda não completamos o fim da primeira década do século XXI.

Tudo o que se acaba de dizer, no campo da actividade humana, não serve para medir o efeito do TEMPO nas organizações sociais. Por essa razão só me sei orientar da seguinte forma:
-Século XIX: Teve o seu início em 1815 com o Congresso de Viena (1814/15) e terminou com o desfecho da I Guerra Mundial (1914/1918). Num certo sentido podemos dizer que o século XX teve um parto antecipado com a revolução bolchevique de 1917. Estamos a falar de 104 anos (1815/1918).
-Século XX: Do Fim da I Guerra Mundial até ao Término da URSS em 1991. Também aqui podemos dizer que o século XX nasceu prematuro com a queda do muro de Berlim em 1989. Temos 73 anos (1918/1991).
-Século XXI: Começou, indefinido, em 1991 e teve uma clara afirmação com o 11 de Setembro de 2001. De momento parece-me que tem 19 anos.

Em politologia a questão complica-se, normalmente, um pouco mais. O TEMPO provoca teorias, doutrinas e ideologias em redes complexas de famílias politicas que vão por os homens a desfrutá-lo de forma diversa. Os que têm preferência pelo TEMPO passado tendem a ser tradicionalistas, os que privilegiam o TEMPO presente a ser conservadores, os que se inclinam para o TEMPO futuro a serem revolucionários.

A violência do TEMPO é das coisas mais pesadas. Basicamente ela pode ocorrer de dois modos. O TEMPO ser insuficiente, acabar abruptamente ou, ao inverso, ele prolongar-se, ser imposto. Adriano Moreira, afastado da Ciência Política no seu estado bruto e fora do seu rigor metodológico e conceptual, produziu um texto fabuloso, num humanismo tocante, em que capta este dualismo da violência do TEMPO de forma magna.

A violência é a antecipação do fim. Uma vida para ainda durar. Antes do Tempo. A mão que se aperta e que arrefece. Morta sem ter gasto todo o seu calor. Os olhos que se fecham sem ter visto. O leite derramado. A semente que apodrece e não germina. A mulher que morre e, com ela, as mil gerações de filhos que teria. O menino que não chegou a crescer. O rapaz que não pôde envelhecer. O velho que não viu o neto prometido. Tudo antes do tempo. Mas também é violência o tempo que nunca mais acaba. A obrigação de estar. A proibição de partir. A condenação de viver. Ou o viver condenado. O fim da liberdade antes do tempo. Violência branca. Sem porta de saída. Durar para além do querer. O ponto final sempre distante. Somando a violência da vida repartida. Pelos atalhos. Com falta disto e daquilo. Sem estradas. Imagens repetidas de espelho em espelho. Cada desejo um fracasso. A mudança impossível. Tudo como sempre. No fim como no princípio (…)”.

Se saltarmos para a musica, ninguém captou melhor, apoiado numa reflexão intelectual, o que os homens fazem e desfazem com o TEMPO, como os Pink Floyd em High Hopes, numa música incluída no Álbum The Division Bell, surgido em 1994 e sobre a direcção de David Gilmour e Polly Samson. Num brilhantismo que dói, foram recordar uma simbologia, marcante, da retórica parlamentar britânica. O sino, e o seu efeito sonoro (division bell), usado para terminar discussões em que a comunicação inteligível deixa de poder ocorrer.
Falando deste TEMPO dialéctico, entre a argumentação e a retórica, entre os que procuram a filosofia ou os que se contentam com o sofismo, permitam-me considerar que este Álbum, centrado na falta e excesso de comunicação, que em comum só contribuem para o isolamento, é intemporal. Como sabem do que estão a falar, elaboraram um vídeo clip que não ignora as «teorias de comunicação» alicerçadas em representações que se exprimem mediante a análise de fluxos e trajectórias, em que objectos circulares e esféricos assumem protagonismo. No fundo uma sujeição aos processos de comunicação representativa, expressiva e confusa, esta última numa mutação em “confusionante”.

Comunicação Representativa: Realizada por acções pontuais, com momentos determinados e visando determinadas finalidades, atomista (o emissor e receptor estão separados) e mecanicista (respeita o princípio de linearidade na transmissão). Ocorre uma causalidade linear em que o impacte sobre o receptor é sempre calculável.
Comunicação Expressiva: Deixa de existir o envio, por parte de um sistema emissor, de uma mensagem calculável para o receptor. Cria-se uma causalidade circular num meio ambiente complexo, menos determinado do que o existente no modelo de Comunicação Representativa. O modelo tem em conta que o observador possui influência determinante sobre o que pretende observar, abre-se caminho ao papel de resistência ou de amplificação que o receptor pode ter em face das mensagens enviadas pelo emissor.
Comunicação “Confusionante”: Surgida no contexto de excesso de fontes de informação que se atropelam umas ás outras, criando uma exaustão de ofertas e uma incapacidade de digestão por parte da procura. Modelo simultaneamente autista (ocorre um auto/fechamento em que deixa de ser necessário comunicar o pensamento a outrem nem de se conformar ao dos outros) e tautológico (emissor e receptor confundem-se, tornando-se realidades idênticas). A contracção dos termos Tautologia e Autismo leva ao surgimento do conceito de “Tautismo”.




Podia continuar no campo sentimental e emotivo. Mas não ouso, por pudor e respeito, reflectir sobre o papel que certos acontecimentos têm no meu TEMPO próprio e único…
O que posso apenas dizer, e tento fazê-lo sempre que em Ética tal permite, que o mais singular no Homem, aquilo que o torna único e irrepetível é a forma como ele interpreta o seu TEMPO Imanente (que permanece interiormente) e o seu TEMPO Transitivo (que passa não deixando memória e recordação).

Existe o TEMPO traiçoeiro, da decepção, o TEMPO que “volta ou não volta para traz”. É uma “faca de dois gumes” o TEMPO com todos os seus equívocos. O que aconteceu e o que poderia ter acontecido. A propósito de “facas no TEMPO ou apontadas no TEMPO” faço, ainda, uma confidência musical. Vale a pena escutar a “naifada” dos Genesis (Knife), nos tempos de Peter Gabriel, para ter mais força para pensar e meditar nestas coisas do TEMPO diversas, por exemplo, de ler horas num relógio de pulso e pensar que se sabe contar o TEMPO.
Obrigado, Genesis, por esta cavalgada de rock sinfónico para, tanta vez na decepção, acreditar que o TEMPO tem sentido e nele se podem inscrever projectos viáveis de vida, sem esquecer as armadilhas e campos de batalhas que os povoam com guerras físicas que são, tantas vezes, guerras de consciência. Só se sobrevive ao TEMPO com força de ressurgir, com vontade de recomeçar, com esperança de ressuscitar sendo, enfim, «Senhor do TEMPO».