A Amizade e o Amor Humano

Pedem-me os alunos que desenvolva os conceitos de amizade e de amor humano, a partir de uma definição Ética engendrada num contexto de partilha educativa em que, basicamente e sinteticamente, se tenta esboçar o que é Amar:
Trata-se de um acto da nossa vontade que se orienta para alguém em concreto. Quando amamos, além de querermos que alguém exista e aprovarmos a sua existência, campo da contemplação, desejamos tender para ela, possuindo-a. Amar é não conseguir existir sem ela.
Em termos puramente humanos não é possível fazer um amigo ou encontrar um amor sem o desenvolvimento de duas Qualidades Humanas inter/relacionadas. A Generosidade e a Compreensão.
A Generosidade trata-se de uma qualidade que permite que ao se realizar um acto a tendência seja para se exceder no seu cumprimento, sem segunda intenção, sem fim objectivo. A compreensão faz com que aceitemos as pessoas tal como elas são, sem excluir as suas limitações e os seus defeitos. Trata-se de uma qualidade muito importante para não fazer coincidir o erro da pessoa que erra ou, ao invés, reconhecer no próximo o seu mérito independentemente dos nossos juízos egocêntricos.

Não sei se vão ficar satisfeitos com o que se segue, porque numa sociedade que privilegia o igualitarismo, a procura da amizade e o do amor parece-me das tarefas humanas mais elitistas. Comecei por vaguear apoiado em autores que têm reflectido no assunto, tentando evitar alucinações particulares para, em seguida, encontrar um fio condutor próprio.
Para não ser enfadonho, perder privacidade ou revelar o que sobre o assunto a experiência e a memória retêm, não quero ultrapassar um pouco mais de duas folhas A4 para desenvolver o tema.

O Princípio da Amizade e do Amor encontra-se na capacidade de Seleccionar. Neste sentido quer a Amizade quer o Amor acabam por cair no elitismo, porque quando nós encontramos um amigo ou alguém que amamos, seleccionamos da multidão. Identificamos o particular qualitativo do banal quantitativo. É uma observação solitária, própria, que a personalidade intrínseca de uma pessoa, única, faz ao se desejar completar com uma outra que lhe provoca o espanto ao se destacar, por seu lado, do igualitário.
Não caindo no deserto nietzschiano, que teve o mérito de denunciar a extinção da diversidade humana pela crescente emergência de sociedades massificadas, a verdade é que na tradição de Leibniz, de Schelling e de Heidegger, os que sabem cultivar a Amizade e o Amor sabem “porque existe alguma coisa em vez do nada?” Ou melhor ainda “porque é que há alguém em vez de ninguém?”. Algo que, soberbamente, Hannah Arendt (1906/1975) tão bem desenvolveu filosoficamente.
O momento mais importante na Amizade e no Amor ocorre não quando conhecemos alguém, mas quando alguém passa a existir dentro de nós. No fundo são experiências que buscam a felicidade humana, aquilo que qualquer humano, independentemente da sua sensibilidade, busca no decurso da sua existência. É um processo de identificação e complementaridade de personalidades que acarreta alegria. Georges Bernanos (1988/1948), num rasgo intelectual feliz, capta esta sensibilidade de conjugar a alegria com a felicidade nestes termos “saber encontrar a Alegria na Alegria do outro é o segredo da felicidade”.
Na Amizade compartilhamos a vida sem ter a vida em comum. No Amor compartilhamos a vida vivendo-a em comum. A partilha é fundamental, pois a vida em comum, mas não partilhada, acarreta normalmente o fim do amor. Viver em comum sem partilha é solidão, é desejar estar sozinho, é evitar o outro:”O amor começa quando uma pessoa se sente só e termina quando uma pessoa deseja estar só” (Tolstoi 1828/1910).
O imediatismo, o instantâneo, o receio de aprofundar uma relação, a acção abundante carente de reflexão, são tudo razões e evidências para se explicar o estado apaixonado, aparente de muitos, mas receoso da intimidade e compromisso que a Amizade e o Amor exigem: “A paixão é a mais rápida a desabrochar, e a mais rápida a desaparecer. A intimidade desenvolve-se mais lentamente e o compromisso mais gradualmente ainda” (Robert Sternberg nascido em 1949).
A óptica de ver no Amor um processo de valorização e melhoramento pessoal e, consequentemente social, tem sido preocupação de muitos autores. Diz a este respeito Mário de Quintana (1906/1994): “O amor só é lindo, quando encontramos alguém que nos transforme no melhor que podemos ser”. Leibniz (1646/1716) dizia “Amor é encontrar na felicidade de outrem a própria felicidade”.
Em Bertolt Brecht (1898/1956)) o Amor chega a ser focado como estímulo ao desenvolvimento das nossas capacidades: “O amor é a arte de criar algo com a ajuda da capacidade do outro”. Mozart (1756/1791) nesta linha considerava que “para fazer uma obra de arte não basta ter talento, não basta ter força, é preciso também viver um grande amor”.
Quem não ama está no vazio, morreu negando a vida. Por esta razão o primeiro Homem que teve a capacidade de criar os instrumentos para extinguir o património biológico da Terra, entre as suas meditações, deixou escrito: “Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor... Lembre-se. Se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele conquistará o mundo” (Albert Einstein 1879/1955). O Amor como potencial silencioso de transformação humana tem perseguido o pensamento desde sempre. Mahatma Gandhi (1869/1948) com grande capacidade de síntese defini-o “ como a força mais subtil do mundo”.
Nada afecta mais a natureza humana que o preconceito, o calculismo e o oportunismo que nos impede de amar: “cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade” (Carlos Drummond de Andrade 1902/1987)
É fundamental na procura de contrários identificar a capacidade de Odiar como a oposta de Amar. Em ambas as situações podem ocorrer perdas de objectividade. Aquilo que, popularmente, ficou designado como sendo um «estado de cegueira»: ”O ódio, tal como o amor, alimenta-se com as menores coisas, tudo lhe cai bem. Assim como a pessoa amada não pode fazer nenhum mal, a pessoa odiada não pode fazer nenhum bem” (Balzac 1799/1850).
O Amor humano, fugindo quer ao egocentrismo quer ao pretensiosismo, deve ter consciência que proporcionamos ao “outro” sem, necessariamente, recebermos na proporção que idealizamos: “Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim... Nem que eu faça a falta que elas me fazem, o importante para mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível... E que esse momento será inesquecível... Só quero que o meu sentimento seja valorizado” (Adriana Brito, nascida em 1968).
Utilizando a reflexão desta autora, acrescente-se na impossibilidade de nós mensurarmos o Amor ou realizarmos exigências desmedidas: “Não quero alguém que morra de amor por mim... Só preciso de alguém que viva por mim, que queira estar junto de mim. Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame, não me importando com que intensidade”.
Amar, sendo um acto primário de liberdade, não pode obrigar. O máximo admissível é pela sedução conseguir que uma vontade pessoal se transforme em vontade partilhada. Felizmente existem muitas situações de vontade ou empatia simultânea. “Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém...Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim. E ter paciência para que a vida faça o resto...” (William Shakespeare 1564/1616)).O Amor se é questão de partilha não pode ser nem egoísta nem viver da culpabilização. Por isso, relativamente ao egoísmo, muito brilhantemente Marguerite Yourcenar (1903/1987) meditou: “Nada há de mais sujo do que o amor-próprio”. O mesmo ocorreu com esta observação sarcástica de Charles Baudeleire (1821/1867), em relação ao conceito de culpa que: “O mais irritante no amor é que se trata do tipo de crime que exige um cúmplice”.