Amanhã põem-me em reflexão eleitoral. Como não gosto de grandes solidões vou pedir umas ajudas apoiado nalguns autores
Ditadura das Sondagens (Texto nº1)
Ao invés do regime soviético que desconhecia o pluralismo e, por consequência, governava sem os sobressaltos provocados por uma oposição institucionalizada ou pelo menos papel fiscalizador da comunicação social, verifica-se que toda a actividade desenvolvida pelo partido maioritário no governo e no parlamento das sociedades democráticas é dominada por um efectivo clima de psicose – se não mesmo de terror – dos governantes, traduzido num frenético pavor das sondagens indicativas dos níveis de popularidade dos membros do governo e das votações previsíveis no partido governamental em confronto com os partidos da oposição.
A Democracia cede lugar aqui à “sondocracia” que, expressando situação de total dependência do poder político face aos resultados das sondagens, condiciona toda a decisão política a esses mesmos resultados, criando-se, por esta via, uma verdadeira “sondágio-dependência”.
Poder-se-á mesmo dizer que, tal como o partido governamental comanda o Estado, também os índices de sondagens comandam a actividade do governo e da maioria parlamentar: as grandes decisões são sempre resultados de estudos ou pesquisas de mercado sobre os seus potenciais efeitos eleitorais, observando-se que existem decisões que são quase sempre tomadas antes das eleições, tal como existem outras que apenas se pode imaginar imediatamente após uma vitória eleitoral.
Neste último sentido, o “Estado do partido governamental” vive numa situação de verdadeira “toxicodependência” da opinião pública e dos meios de comunicação social, em especial da televisão (…).
Paulo Otero
Ditadura partidocrática (Texto nº2)
O “Estado de partidos”, além de assentar num modelo intervencionista próprio do Estado social, pressupõe que aos partidos políticos seja reconhecido pelo Direito “um exclusivo ou quase exclusivo da representação política global da colectividade”: surge, deste modo, o conceito de “mediação partidária” na representação política, a natureza do mandato parlamentar altera-se, os partidos são chamados a exercer funções “não estritamente eleitorais”.
Deste modo, a função política, a função legislativa e uma parte significativa da função administrativa encontram-se totalmente “colonizadas” pelos partidos políticos: o critério de decisão material dos órgãos do Estado é aferido, em primeiro lugar, pelos interesses partidários, verificando-se que apenas em momentos posterior se pondera (eventualmente) o interesse público, pelo que o timing eleitoral se assume como o principal fundamento das acções ou omissões decisórias do poder público.
Pode-se mesmo chegar ao extremo de deslocar para o interior das estruturas orgânicas dos partidos políticos ou para conversações e acordos celebrados entre militantes partidários que não ocupam qualquer cargo parlamentar ou governativo aquelas que virão a ser algumas das principais decisões jurídicas do Estado, verificando-se que a sua formalização pelos respectivos órgãos competentes é uma mera fantasia (…).
Paulo Otero
Democracia neocorporativa (Texto nº3)
Precisamente porque o funcionalismo da “ democracia neocorporativa” privilegia os interesses organizados e, dentro destes, aqueles que têm maior poder reivindicativo, o Estado pode ser tentado a abdicar da sua posição de defensor do interesse da colectividade, deixando de tomar em consideração os interesses daqueles que não se encontram representados: a tentação de obter a paz social a qualquer custo, determinando a cedência do Estado aos interesses dos grupos mais poderosos, poderá bem conduzir a um modelo de democracia parcial, injusta e de desequilíbrio inigualitário a favor dos interesses dos mais fortes.
O certo é que a “democracia neocorporativa” mostra-se, ela própria, fonte de inesgotáveis conflitos: se a satisfação de um interesse é feita à custa do sacrifício de outros interesses, os grupos defensores destes últimos desencadearão as reacções devidas; se, pelo contrário, existiu uma conciliação dos diversos interesses em presença, ela será sempre de curta vigência, desencadeando-se de imediato novo processo reivindicativo para a satisfação de sucessivas pretensões.
Neste último sentido, verifica-se que a “democracia neocorporativa”, não obstante o seu propósito de atenuar os conflitos sociais, acaba por alimentar um processo espiral de constantes reivindicações, deixando o governo na tentação de permitir que o Estado se transforme num instrumento de satisfação dos mais fortes contra os mais fracos ou, pelo menos, num meio de concretização dos interesses dos grupos mais reivindicativos, operando-se aqui um fenómeno de “colonização do Estado por interesses de grupos”.
Paulo Otero
O País da Não-inscrição (Texto nº4)
“Em Portugal nada acontece, <>, escreveu alguém num “graffiti” ao longo da parede de uma escadaria de Santa Catarina que desce para o elevador da Bica.
Foi assim também que a vida social portuguesa, agora pacificada, normalizada, viu a não-inscrição reassumir os seus privilégios em todo o seu esplendor. Tal ministro que se aproveita ilegalmente de uma lei para escapar ao fisco demite-se para voltar à tona incólume, meses ou anos depois; o escândalo que marcha a acção de um governante, longe de o afastar definitivamente da política, pode ser mesmo a ocasião para começar uma carreira com um futuro ainda mais brilhante (um posto mais bem remunerado ou com prestígio internacional, etc.). Nada tem realmente importância, nada é irremediável, nada se inscreve.
E se tudo se desenrola sem que os conflitos rebentem, sem que as consciências gritem, é porque tudo entra na impunidade do tempo – como se o tempo trouxesse, imediatamente, no presente, o esquecimento do que está à vista, presente.
Como é isto possível? É possível porque as consciências vivem no nevoeiro. (…).
Explicam-se assim, por exemplo, os inúmeros regimes de consciência clara que habitam a consciência de um português. Regimes que se entrechocam, se sobrepõem e nunca se excluem. É certamente o que torna possível a facilidade de passagem de um regime de consciência a outros (heteronímia), num português. (…).
A leviandade suscitada pela não-inscrição permite que a lei não se cumpra ou que dela se escape, que os programas não se realizem, que não se pense nunca a longo prazo, que as fiscalizações não se façam, que a administração não se transforme realmente, que os projectos de reforma não se executem, que os governos não governem. Nada tem realmente existência. A não-inscrição induz um tempo social particular, só o presente pontual existe: à sua frente está o futuro que se fará sentir apenas com o surgimento - repetição do presente. O futuro, sobretudo longínquo, não existe, não tem consciência, não se prevê. Porquê? Porque nada há para se inscrever, nem uma ideia para o País, nem um destino individual. (…).
Em contrapartida, somos um País de burocratas em que o juridismo impera, em certas zonas da administração, de maneira obsessiva. Como se, para compensar a não-acção, se devesse registar a mínima palavra ou discurso em actas, relatórios notas, pareceres - ao mesmo tempo que não se toma, em teoria, a mais íntima decisão, sem a remeter para a alínea X do artigo Y do decreto-Lei nº tal do dia tal de tal mês do ano tal”.
José Gil
O Clube dos Deputados Mortos (Texto nº5)
“A irrelevância do Parlamento português é conhecida. E previsível. Surpreendentemente. Todavia, é o facto de os deputados não se darem conta do declínio em que vivem. E espantosas são as reacções da instituição ao tentar desesperadamente descobrir uma dignidade e inventar uma importância.
É neste quadro sombrio que se deve entender a sua iniciativa de nomear «deputados honorários» e de mandar esculpir os bustos de alguns antigos membros. Desenterram os mortos, o que, com o enterro dos vivos, define um estilo. À falta de funções, o Parlamento procura tradições. À falta de competências, faz encenações.
Há décadas que o Parlamento perde importância e competências. Perdeu com os executivos, que ganharam em toda a linha, incluindo nas funções legislativas. Perdeu com a imprensa, mais viva, mais inteligente e mais próxima da opinião pública. Perdeu com a televisão, mais interessante, mais animada e mais íntima. Perdeu com as câmaras municipais, mais úteis, mais imediatas e mais representativas. Perdeu com a União Europeia, mais importante, mais poderosa e mais glamourosa. Perdeu com as multinacionais, mais ricas, mais eficientes e mais modernas. Perdeu com as sondagens, mais titilantes para as populações e mais ameaçadoras para os governos. Perdeu com um sem-fim de actividades e organizações, como as universidades, as discotecas, as telenovelas e a Internet. Tendo perdido tanto, impressiona o facto de tão pouco se interrogar e tão pouco tentar mudar. A crise do Parlamento é, por enquanto, a crise da democracia. E não sabemos ainda se esta se salva com aquele, ou se só se salva sem ele”.
António Barreto
Inveja/Omissão - “O Charco” (Texto nº6)
“Não há certamente cuidado mais lastimável do que aquele que se traduz em impedir a realização dos projectos dos outros. Só porque são projectos, só porque são dos outros. Todavia não falta quem faça, da sua própria vida, um exemplar missão de impedimento. Gente que vê de longe. E que, quando lhe acontece desempenhar uma função pública, também vê de alto. Modestos nas suas ambições, não desejam acrescentar nada à construção do Mundo. Se lhes acontece edificar um muro, é acidente de que não se gabam. Para serem felizes basta-lhes o que impedem de ser feito. Nas horas calmas de revisão do passado, contemplam alegres os desertos que asseguraram. Recordam ideias cuja divulgação impediram (…)”.
driano Moreira