Uma música para 2009

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Confrontado com a reflexão de escolher uma música que me tenha, particularmente, marcado neste ano que termina, veio-me à mente de imediato Sara Bareilles. Não me vou esquecer tão cedo da dupla nomeação para «melhor performance vocal pop feminina» e para «melhor música do ano» com a música “love song”, na 51ª Grammy Awards de 2009, sem que nenhum prémio tenha sido alcançado.
Na companhia de Pink e de katy Perry pareceu-me uma proeza a nomeação. Impondo espaço próprio, não fazendo cedências fáceis ao ambiente dominante marcado por estereótipos bem filtrados em videoclips que vivem da temática sexual, preferencialmente lésbica e bissexual, não abusando do calão, da linguagem em estado embrionário e do simplismo de conteúdos que no estado instintivo, não cognitivo, esgotam as suas mensagens, não é tarefa alcançável para todos.
Meditar que estamos perante alguém que não é uma simples “máquina de canto”, pois compõe o que canta com sentido, mais fascinante se torna. Arrastarmo-nos para uma situação de atracção pelo conteúdo das letras não é difícil.
A minha opção é simples. Foi no álbum “Little Voice”, no ano de 2007,que surge a música “Gravity” (o conteúdo da letra provoca um autentico calafrio emocional), com a posição de décima segunda música no alinhamento discográfico. Este ano Sara Bareilles iniciou uma tornée, intitulada e suportada neste título, com ligeiríssimas modificações (The Gravity Tour), imortalizando esta música com merecimento. Por esta razão escolhia-a para uma marca indelével de 2009, não deixando de considerar que a sua melhor música, até ao momento, se intitula “Between the lines”, datada de 2007, e incluída no álbum “Little Voice” já citado.
Na companhia da música de Sara Bareilles até dispensaria qualquer passagem de ano, mais ou menos encomendada, poupando-me a divertimentos calendarizados.

Boas Festas

No Natal bem conhecemos os protagonistas. Sociologicamente as crianças, teologicamente Jesus Cristo e sua Mãe. Nesta data tenho andado, nos últimos anos, centrado na figura de S. José.
Não querendo protagonismos, mas não deixando de cumprir; adaptando-se às circunstâncias não se deixando aprisionar por elas; gerindo dificuldades e riscos; contentando-se com uma paternidade que, biologicamente, lhe escapou mas nem por isso deixou de ser activa; tornou-se um brutal exemplo de desprendimento, ninguém se irrita com a Sua existência, ninguém ousa perder muito tempo a louvá-Lo. Parece que ninguém se queixa pela Sua passagem na Terra.
Só queria aprender Contigo a passar uma vida sem que ninguém pudesse ousar dizer que se sentiu prejudicado pela minha existência. O que mais admiro em Ti é que com essa conduta nem criaste discípulos fanáticos nem detractores que abusivamente, no decurso de séculos, têm usado o Teu nome nas circunstâncias mais dispares. O mesmo não se pode dizer das outras Figuras do Presépio.
Se tivesse de escolher um cartão de Natal, em homenagem à Tua conduta, escolheria um ícone em que estivesses simplesmente a dormir, mergulhado num sono e sonho profundos, prestes a ser interpelado por um Anjo. Bendita comunidade árabe maronita que tem o que procuro há séculos. Como estou na época dos "media" parece-me bem acompanhar o cartão com uma canção em aramaico, aproximando-me o mais possível do tempo histórico em análise. Uma vez mais vou-me recorrer de uma cantora árabe maronita (Ghada Shbeir).
Deus – tendo-se feito Homem na forma de Jesus Cristo - é um exemplo de paciência para com a natureza humana. Os dilemas são complexos. Convivendo com crentes já tenho vacilado na Fé do Presépio, felizmente existem agnósticos e ateus que me estimulam no sentido contrário. O melhor é que não se cumpra uma das máximas de Friedric Nietzsche (1844/1900): “Até Deus tem o seu Inferno. Conviver com os Homens”.







http://www.ghadashbeir.com/
http://www.youtube.com/watch?v=j4536l4Y4VY (In Bethlehem " an Aramaic lullaby which was originally sung by Blessed Virgin Mary to the new-born Jesus.)

Desejar ou Querer

Aproximam-se as festividades natalícias com importância educativa para as crianças. O Natal, mesmo descristianizado, tem sido um rito de passagem, de socialização, de gerações. Tempo propício para pedidos e dádivas, no fundo para uma partilha, tem sofrido nos últimos anos uma mutação de tónica em que existe uma transferência dos desejos para os quereres.
As crianças, num tempo em que uma minoria persiste em pedir ao Menino Jesus, um grupo mais maioritário ao Pai Natal e outro, o mais massivo e extenso, directamente ao estatuto económico familiar em que estão inseridos de forma dependente, parecem nestas subclasses terem todos em comum quererem coisas ao invés de desejarem coisas. Estão a ser mal preparados para a vida, para os condicionamentos facilmente vividos como traumas, lidando mal com as contrariedades, vão coleccionar numerosas frustrações.
Desejar e querer parecem a mesma coisa mas não são. Trata-se de um errado pensar-se que é um preciosismo como o tratamento que separa o “tu” do “você”. Preparar uma criança para dizer: Desejo uma bola, uma bicicleta ou uma playstation, ao invés de quero uma bola, uma bicicleta ou uma playstation, não é a mesma coisa. É toda uma «filosofia de vida» que está em causa.

Um dos mais perspicazes filósofos contemporâneos, o basco Daniel Innerarity, não deixa de meditar no assunto com astúcia:

(1)“Mas a distinção de princípio continua a ser útil. Uma pessoa pode desejar que o corpo a não limite, não poder adoecer, não voltar a ser enganada, viver numa sociedade sem conflitos, sem interesses nem identidades particulares, ditar a lei definitiva, que se imponha sempre a força do melhor agrupamento; mas propriamente falando, não se pode querer essas situações”.

Um dos maiores desafios que se impõe, nas relações humanas, resulta da incapacidade de se viver com contrariedades, aquilo que por vezes apresentamos, simplesmente, como “contratempos”. Neste aspecto Innerarity vai mais longe quando não põe as insatisfações no mero plano da aprendizagem mas vê nelas um caminho necessário para se alcançar a felicidade. Ou seja, a própria felicidade necessita de aspirações e realizações não conseguidas, mas num ambiente em que não faz mal nenhum desejarmos que as coisas corram o melhor possível.

(2)“É isso que acontece nas utopias que imaginam a satisfação de todos os desejos esquecendo que são próprias do Homem tanto a satisfação como as aspirações nunca plenamente satisfeitas. «Uma vida que satisfizesse directamente a sua determinação gorá-la-ia (…). A vida humana estreitar-se-ia enormemente se não contemplasse outro cenário além do da inteira realização das aspirações pessoais e sociais. Não há humanidade onde as coisas só podem correr bem, embora também seja muito humano o desejo de que isso aconteça. Por isso nós dizemos coloquialmente: Que alguém teve a pouca sorte de um êxito prematuro, que lhe correram demasiadamente bem as coisas e que perdeu a experiência da decepção, fonte da verdadeira aprendizagem”.

(1); (2) INNERARITY, Daniel (2009), A Sociedade Invisível, Editorial Teorema, 1ª Edição, Lisboa, pp. 214 e 215.