Volatilidade de conceitos




Fiquei perplexo com o facto de Lady Gaga, ou melhor Stefani Joanne Angelina Germanotta, nascida em 1986, se encontrar entre as 100 figuras mais influentes do Mundo e ocupar o 4º lugar do ranking dos artistas mais bem pagos, arrecadando lucros de 62 milhões de dólares num ano. Receber 8 prémios em 13 em disputa este ano, pela MTV, até dói num Mundo preocupado por uma distribuição mais equitativa da riqueza, dos recursos e dos talentos. 2 Grammy Awards em 2010 também engrossam as “condecorações”.
Com um álbum inicial,somente em 2008, é sem dúvida notável um sucesso apoiado em músicas ritmadas, num contexto criativo inegável. Os conteúdos dos temas, desgraçadamente, estão contaminados pelo drama da ignorância e irresponsabilidade, surgindo conceitos desconexados do seu património próprio e em clara violação da sua vocação taxonómica para uma caracterização de vivências humanas essenciais. De forma baralhada, não balizada SEXO, SEDUÇÃO, ATRACÇÃO, PAIXÃO e AMOR surgem indistintamente em letras, com um tratamento tão primário, desbaratando um património comportamental humano que é rico por ser plural e gerir todas estas vertentes não as considerando sinónimas de uma mesma realidade. Pondo de parte sexo explícito que nos remete para o universo dos instintos que felizmente, apesar dos artificialismos de todas as “modernidades”, partilhamos com muitíssimas espécies, concentremo-nos nos outros conceitos tão imaturamente tratados. Se tivéssemos no campo meramente lúdico não me faria nenhuma confusão, mas partindo de quem visa ter influência e protagonismo mundial magoa-me um pouco. No auge do marxismo tínhamos os “educadores da classe operária” agora no culturalismo consumista temos os “docentes da modernidade comportamental”.

Na SEDUÇÃO mantemo-nos nós próprios, na nossa esfera, encontrando satisfação individualizada. Estamos na “VONTADE PESSOAL”. No AMOR estamos na “VONTADE PARTILHADA”, atendendo a necessidades e anseios recíprocas ou, inclusivamente, exógenos a nós próprios. Com isto não se está a dizer que não é importante o papel da SEDUÇÃO, apenas que ele não se equivale ao papel que o AMOR desempenha na vida humana. Só no AMOR para além do “eu” e do “outro”, o que já não é mau, existe um “nós”, consciência de um laço específico que não existe para além da singularidade dos seus constituintes. Não estamos em matérias nada simples. A obra de Sade, que no início deste post foi apropriada singularmente com a música que me parece mais genial do seu vasto reportório (“somebody already broke my heart”), focando estas matérias, tem-se mantido uma base pedagógica soberba. Não foi ela que, de forma mestra, cantou sobre os riscos do simplismo e da vulgaridade em que pode mergulhar o Amor em “No Ordinary Lave”?

AMOR sem PAIXÃO é impossível, mas existe PAIXÃO sem AMOR. O AMOR acaba por estar num patamar superior à PAIXÃO pela simples razão que um sentimento é sempre superior a uma emoção. Por outras palavras é sempre superior conseguir transformar uma EMOÇÃO (PAIXÃO) num SENTIMENTO (AMOR). De uma outra forma, no AMOR existe intelectualização da PAIXÃO que por sua vez é uma selecção intuitiva da ATRACÇÃO. Uma vez mais tudo é útil mas não quer dizer que seja a mesma “coisa”, traduzindo duplicações do mesmo. A PAIXÃO não é nada desprezível, dado exactamente o relevante papel que desempenha na filtragem selectiva da ATRACÇÃO.

Se conviver com o AMOR é algo complexo, com o DESAMOR não o é menos. É uma área sensível onde o carácter e educação dos sujeitos envolvidos vêm, normalmente, ao de cima. São frequentes as situações justificativas, desculpabilizantes, mais lamentáveis as violências passionais, as retaliações e ódios (não esquecendo aqui que o pior dos ódios é a crueldade) com que a temática é tratada de forma até banalizada. Com quatro conceitos compreende-se o fenómeno. Saltar do fascínio para a decepção nas relações humanas tem dois passos sequenciais. No primeiro vigora o cepticismo (ficamos pragmáticos) no segundo domina a desconfiança (ficamos arrependidos). Está mais do que reunida matéria-prima para o AMOR passar a DESAMOR, aqui apresentado, muito simplisticamente, como uma linha de comboio com quatro estações. Sendo preciso restabelecer sem magoar, limpar a “pele” sem “tatuar”. Sade, neste particular, em prosa e em termos sonoros põe bem o problema na música Skin num Álbum que, muito injustamente, não teve o merecimento público este ano enquanto brilham as “lady´s Gagas”.

AMOR -> CEPTICISMO -> DESCONFIANÇA -> DESAMOR
Fascínio -> Pragmatismo -> Arrependimento -> Decepção