Václav Havel (1936/2011)
"Não se pode, simultaneamente, tomar posição e recusar as consequências naturais da posição tomada".
Sobre as ideologias, o poder político e a actuação dos políticos Václav Havel disse coisas extraordinárias para os fabricantes quer de socialismos quer de liberalismos. A sua actualidade é manifesta, aplicando-se de que maneira aos desafortunados cidadãos que ficaram cativos deste regime instaurado pela III República, responsável por ter gerado não uma democracia mas antes uma cleptocracia. Agora, copiando Fidel Castro que deixa a emigração dos dissidentes para a Florida, aconselham-nos a emigrar. Václav Havel deixou o testamento da resistência.
Sobre os malefícios das Ideologias: "É o simulacro de qualquer coisa de «sobre-individual» que permite ao indivíduo enganar a sua própria consciência e mascarar para o mundo e para si mesmo a sua verdadeira situação e o seu «modus vivendi» sem glória". E de forma mestra sobre o que as ideologias podem oferecer aos detentores de Poder: "Este complicado mecanismo de componentes , de graus, de alavancas de comando e de instrumentos de manipulação indirectos, não deixando nada ao acaso e assegurando, de múltipla maneiras, a integridade do poder, é muito simplesmente impensável sem a ideologia, o seu «álibi» universal e o « álibi» de cada um dos membros do sistema".
Relativamente ao Poder político ensina-nos: "está cativo das suas próprias mentiras e, por isso, tem de continuar a falsificar o passado, falsifica o presente e falsifica o futuro. Falsifica os dados estatísticos. Finge não ter um aparelho policial todo-poderoso e capaz de tudo, finge respeitar os direitos do Homem. Finge não perseguir ninguém. Finge não ter medo. Finge nada fingir.
O indivíduo não é obrigado a acreditar em todas estas mistificações. Deve, no entanto, comportar-se com se acreditasse ou, pelo menos, as tolerasse em silêncio, ou ainda, estar em boa relação com aqueles que as operam. Mas isso já o obriga a viver na mentira. Não é obrigado a aceitar a mentira. Basta que tenha aceite viver com ela e nela. Porque, com esse acto, já conforta o sistema, cumpre-o, fá-lo é o sistema".
Sobre os efeitos da actuação dos dirigentes políticos: "assim se mergulha numa vida puramente vegetativa, numa desmoralização em profundidade, que resulta da perda de toda a esperança e da crise da crença no sentido da vida. Isto confere uma nova actualidade ao carácter trágico da situação do Homem numa civilização tecnicista que coincide com a erradicação do absoluto para fora do nosso horizonte ; eu chamaria a isto crise de identidade humana; um sistema que exige implacavelmente ao Homem que não seja ele próprio, pode travar a decomposição da sua identidade?".
Fiquei assustado quando me dei conta que o primeiro contacto que tive com uma sua obra, traduzida em português, tem 20 anos.
HAVEL, Václav (1991), Ensaios Políticos, Bertrand Editora, tradução de Margarida Gago da Câmara, 1ª edição, Lisboa, ISBN 972-25-0552-1.
Estamos na Quadra Natalícia. Apetece-me recordar a cultura cristã copta, comunidade árabe tão martirizada ao longo deste ano de 2011.