Obrigado Karl Popper (1902/1994) por me ajudar a superar ter de conviver com propostas e previsões eleitorais que não são mais do que conjecturas provisórias manipuláveis do campo dos observadores ditos imparciais.
Terminado um ciclo pesado de três eleições -em que muito se falou de sondagens e previsões devidamente e abundantemente cimentadas em comentários políticos, inquestionavelmente, com “fins construtivistas”- parece-me oportuno recordar o pensamento de um dos maiores filósofos do século XX. Claro que a pessoa em causa só serve para reforçar a minha convicção que um dos maiores dramas das sociedades actuais advém da «manipulação do Tempo e dos acontecimentos medidos no seu interior». Facto que se aplica quer se trate de um tempo passado, presente ou futuro.
Nos acontecimentos que meditamos neste post, a forma como estes podem ser reflectidos e projectados num «tempo futuro», do que está para acontecer, da necessidade vertiginosa de aprisionar o que está para vir, condicionando a forma como os acontecimentos deveriam decorrer sem intromissões, é o objecto central da meditação. As previsões são sabotagens premeditadas mas não controláveis dos seus efeitos finais, condicionam a liberdade, fazem da escolha uma confirmação de algo determinado previamente. É a “batota” com roupagens científicas mais subtil que obriga a ter finura intelectual para ver a instrumentalização. Pena é que as análises de Karl Popper sobre a «pobreza do historicismo», com mais de meio século de existência (1957), estejam tão esquecidas.
“Uma previsão é um acontecimento social que pode interagir com outros acontecimentos sociais, entre os quais se inclui aquele que a previsão estipula. Tal como vimos, a previsão pode ajudar a precipitar esse acontecimento; mas é fácil ver que também poderá influencia-lo de outras formas. Num caso extremo, a previsão pode até causar o acontecimento que prevê: é possível que o acontecimento não tivesse sequer ocorrido se não tivesse sido previsto. No outro extremo, a previsão de um acontecimento iminente pode levar à sua prevenção (de modo que se pode dizer que ao abster-se, deliberadamente ou por incúria, de prever o acontecimento, o cientista social pode fazer com que ele aconteça). Haverá sem duvida muitos casos intermédios entre estes dois extremos. O acto de prever qualquer coisa e o acto de se abster de prever podem ambos ter as mais diversas consequências.
Ora, é nítido que os cientistas sociais devem, mais cedo ou mais tarde, tomar consciência destas possibilidades. Um cientista social pode, por exemplo, prever uma coisa, sabendo de antemão que a sua previsão irá causar o acontecimento em causa. Ou pode negar que um determinado acontecimento seja de esperar, impedindo-o assim de se concretizar. E, em ambos os casos, pode estar a respeitar o princípio que parece assegurar a objectividade científica, isto é, o de dizer a verdade e apenas a verdade. Mas embora tenha dito a verdade, não podemos dizer que tenha respeitado a objectividade científica; pois, ao fazer previsões (que acontecimentos posteriores comprovam) pode ter influenciado os acontecimentos fazendo-os tomar um rumo favorável às suas preferências pessoais”.
POPPER, Karl (2007), A Pobreza do Historicismo, Esfera do Caos editores, 1ª ed. pp. 19/20.
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