Laicização e Secularização

Ambos os conceitos tratam da constatação do declínio da importância da Religião, mas não significam a mesma coisa. Apesar de existir sobreposições e um dos conceito aplicados poder influenciar o ritmo do outro, orientam-se como fenómenos diversos.
Refira-se que na tradição latina, por força da Revolução Francesa, a laicização é um termo muito mais dominante do que o de secularização, predominantemente presente nas sociedade anglo-saxónicas e germânicas, onde este último termo entrou, pela primeira vez, nas Ciências Sociais pela mão de Max Weber (1864-1920).
A laicização é uma resultante do labor do aparelho político/administrativo, normalmente o Estado, enquanto a secularização é uma dinâmica social em que, progressivamente, ocorre perda de importância da Religião. O Reino Unido está muito secularizado, mas o Estado Anglicano deu muito poucos paços para a laicidade. O Estado Turco vive há décadas numa laicização profunda com um tecido social muito pouco secularizado. Na 1.ª República Portuguesa houve um investimento brutal do sentido do laicismo com resultados de secularização na população reduzidos.
Na laicidade não existe neutralidade, porque compete ao Estado ou outras estruturas organizadas uma intromissão directa na esfera religiosa neutralizando-a e enfraquecendo-a. Num certo sentido estamos perante o surgimento de uma Religião Civil patrocinada pelo Estado.
Podem existir várias matrizes laicizantes. A mais radical surge quando se pretende que a Religião deixe de ser considerada uma instituição que estrutura a sociedade e não se reconhece liberdade pública fundamental, de culto e de consciência. Na maior parte dos casos o laicismo contenta-se com a separação de finalidades, objectivos e funções que não têm de ser, necessariamente, conflituosas.
A secularização é uma autonomia progressiva da sociedade em relação às instituições religiosas. Através deste fenómeno é possível pesquisar de que forma uma Religião fornece aos indivíduos e colectividades referências, valores e normas significativas. A prática religiosa, a intensidade da adesão, os reflexos dos valores religiosos na actuação cívica e política só por este meio podem ser reflectidos em termos descritivos e explicativos.
O processo de secularização toma o seu carácter mais radical com a "mundanização", situação que se atingiria quando uma sociedade, deixando de se interessar pelo mundo sub natural ou espiritual, passasse a se concentrar em questões, aparentemente, só materiais.
No âmbito religioso a maior instabilidade ao seu património advém da secularização interna, entendido o fenómeno como o conjunto das atitudes dos crentes tomadas com vista a questionarem ou duvidarem do seu património.
Os esforços de laicização, como processo de extermínio do religioso parecem estar condenados. O investimento ocorrido na extinta URSS, em Cuba ou na República Popular da China são disso exemplos e testemunhos. Mesmo certas tentativas estatizantes de diminuir a influência do ensino religioso, pensemos em França ou Espanha, atingem resultados práticos diminutos. O efeito contrário, de contra-resposta, até provoca resistências que a laicidade bem gostaria de ver inexistentes ou adormecidas, num autêntico processo de boomerang politicamente sempre de evitar. A secularização, pelo contrário, desenvolvendo-se a partir das próprias estruturas religiosas, parece estar a provocar o inquestionável aumento do agnosticismo e ateísmo.

O mais dotado a reflectir nestas temáticas foi Alexis de Tocqueville (1805-1859). Sobre a sociedade americana, pensando consigo próprio, deixou escrito “perguntava-me como podia acontecer que, ao diminuir a força aparente de uma Religião, se aumentasse de facto o seu Poder. Viver à sombra de um Poder terreno pode ter imensas vantagens para uma Religião, mas impõe muitas limitações. Assim, ao aliar-se a um poder político, a Religião aumenta o seu poder sobre uns quantos, mas perde a esperança de ter o poder sobre os restantes”.
Explicando, magistralmente o peso que a religião tem numa sociedade tecnicamente avançada, algo que é estranho na Europa onde domina o pensamento que a religiosidade é um arcaísmo que existe na proporcionalidade da ignorância, deixou escrito: “Nos Estados Unidos da América, a Religião talvez seja menos poderosa do que foi em certas épocas e com certos povos, mas a sua influência é mais duradoura. Ela concentrou-se nas suas próprias forças que ninguém lhe pode retirar, age em torno de um único círculo, mas percorre-o na totalidade e domina-o sem dificuldade”.

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