Desejar ou Querer

Aproximam-se as festividades natalícias com importância educativa para as crianças. O Natal, mesmo descristianizado, tem sido um rito de passagem, de socialização, de gerações. Tempo propício para pedidos e dádivas, no fundo para uma partilha, tem sofrido nos últimos anos uma mutação de tónica em que existe uma transferência dos desejos para os quereres.
As crianças, num tempo em que uma minoria persiste em pedir ao Menino Jesus, um grupo mais maioritário ao Pai Natal e outro, o mais massivo e extenso, directamente ao estatuto económico familiar em que estão inseridos de forma dependente, parecem nestas subclasses terem todos em comum quererem coisas ao invés de desejarem coisas. Estão a ser mal preparados para a vida, para os condicionamentos facilmente vividos como traumas, lidando mal com as contrariedades, vão coleccionar numerosas frustrações.
Desejar e querer parecem a mesma coisa mas não são. Trata-se de um errado pensar-se que é um preciosismo como o tratamento que separa o “tu” do “você”. Preparar uma criança para dizer: Desejo uma bola, uma bicicleta ou uma playstation, ao invés de quero uma bola, uma bicicleta ou uma playstation, não é a mesma coisa. É toda uma «filosofia de vida» que está em causa.

Um dos mais perspicazes filósofos contemporâneos, o basco Daniel Innerarity, não deixa de meditar no assunto com astúcia:

(1)“Mas a distinção de princípio continua a ser útil. Uma pessoa pode desejar que o corpo a não limite, não poder adoecer, não voltar a ser enganada, viver numa sociedade sem conflitos, sem interesses nem identidades particulares, ditar a lei definitiva, que se imponha sempre a força do melhor agrupamento; mas propriamente falando, não se pode querer essas situações”.

Um dos maiores desafios que se impõe, nas relações humanas, resulta da incapacidade de se viver com contrariedades, aquilo que por vezes apresentamos, simplesmente, como “contratempos”. Neste aspecto Innerarity vai mais longe quando não põe as insatisfações no mero plano da aprendizagem mas vê nelas um caminho necessário para se alcançar a felicidade. Ou seja, a própria felicidade necessita de aspirações e realizações não conseguidas, mas num ambiente em que não faz mal nenhum desejarmos que as coisas corram o melhor possível.

(2)“É isso que acontece nas utopias que imaginam a satisfação de todos os desejos esquecendo que são próprias do Homem tanto a satisfação como as aspirações nunca plenamente satisfeitas. «Uma vida que satisfizesse directamente a sua determinação gorá-la-ia (…). A vida humana estreitar-se-ia enormemente se não contemplasse outro cenário além do da inteira realização das aspirações pessoais e sociais. Não há humanidade onde as coisas só podem correr bem, embora também seja muito humano o desejo de que isso aconteça. Por isso nós dizemos coloquialmente: Que alguém teve a pouca sorte de um êxito prematuro, que lhe correram demasiadamente bem as coisas e que perdeu a experiência da decepção, fonte da verdadeira aprendizagem”.

(1); (2) INNERARITY, Daniel (2009), A Sociedade Invisível, Editorial Teorema, 1ª Edição, Lisboa, pp. 214 e 215.

1 comentário:

Unknown disse...

Professor, a diferença entre o querer e o desejar, não estará ligada ao tangivel e ao inantigivel? Deixando os desejos as questões mais "metafisicas" e o querer para a parte mais material?

De qualquer forma, desejo-lhe boas festas.
D.