Contribuição para clarificar a existência enigmática de Cristóvão Dória de Sousa

 


 

     





          Enquadramento

Cristóvão Doria de Sousa (Chistouam dOria ) (Faro ~1500/Faro~1570), filho de Francesco / Francisco Dorea (Genova~1455/ Sevilha~1512)  e de Senhora portuguesa de apelido Sousa (SMN). 

Nota: Seu pai Francesco / Francisco Dorea Genova~1450/ Sevilha~1512) foi canonicamente casado com Gironima (Lomellini) Centurione (Scotto) (Genova~1455/Génova~1510), filha de Lodisio Centurione Scotto, banqueiro que financiou Colombo e de Isabella di Oberto Lomellini.

 00 (Faro~1520)

D. Constança (Freire de Andrade) (Telo) de Menezes (Faro~1500/Faro ????), com reserva genealógica (CRG) aparece como filha de Telo de Menezes e de uma 2ª mulher de nome desconhecido, neta paterna de Fernando de Menezes e Brites Freire de Andrade.   

Navegador Algarvio; Capitão de Galé na Armada Real; Esteve na Índia como Militar e Mercador (~1530/~1550); Governador da Ilha de S. Tomé (1561-1564) ”Cristóvão Dória de Sousa recebeu carta de capitania de S. Tomé, de 11-7-1561. ATT. — Chancelaria de D. Sebastião, liv. 6,fl. 360 v”.

 

1 Briolanja (Telo de Menezes Dorea de Sousa) (Vieira??) (~1520) 00 (~1540) Gaspar (Correia de Melo) de Figueiredo Mascarenhas (~1520), filha de Gaspar de Figueiredo Mascarenhas, CF da Casa de Dom João III; Capitão-mor de Faro; Alcaide-mor de Faro, em Regime de Serventia por menoridade do detentor do Cargo, após a morte de Rui Barreto em 1559, (na minha XV ascendência) 

Nota: SANCHES de BAENA terá posto Briolanja com o apelido Vieira por engano, trocando  com a sua cunhada? (1906) Famílias Nobres do Algarve, P II, p.48. Por essa razão na net aparece Briolanja Vieira como filha de Estêvão Dória  com Leonor Vieira Carvalhal? Impossível. O erro começa por, nesta hipótese, o Estêvão Dória casado com uma Vieira, surgir como nascido ao redor de 1470 em Arzila, algum impossível. Como consta que se documentou como CF em 1572, ele neste contexto só aos 100 anos foi CFCR. 

?.? Estêvão Dória, da Fuzeta (~1523); CF (documentado em 1572) 00 (1557) Leonor Viera Carvalhal (Quelfes; F S sebastião/Quelfes????)

Começo por indicar que é completamente irrealista o nascimento de Cristóvão Dória de Sousa ter ocorrido nas datas sugeridas, nas bases genealógicas que povoam a net. Por volta de 1480. O estudo biográfico, possível de ser realizado, desmente categoricamente essa hipótese. Absolutamente impossível é pô-lo a nascer em Arzila em data anterior à sua conquista, a 24 de agosto de 1471, ou poucos anos depois. Só se pode, com alguma segurança indicar que deve ter nascido ou bem no final do século XV ou no início do século XVI. Por Cristóvão Dória (de Sousa) a nascer, antes de 1500, é não conhecer que ele se documenta como tendo estado na Índia, participou no II Cerco de Diu no ano de 1546, sendo nomeado Capitão Governador de S. Tomé e Príncipe em 1561. Não deve ter sido com 66 anos e, mais ainda com 80 anos, que se envolveu nestas tarefas.

 

Partindo da hipótese, também frequente na web, que teria nascido em Arzila é cauteloso ter presente que várias reservas se levantam. Apesar das circunstâncias que rodearam a tomada de Arzila terem tido uma importância simbólica relevante no contexto do alargamento do espaço português e da projeção geopolítica peninsular e europeia, com a tomada subsequente de Tânger, no mesmo ano de 1471, o seu valor estratégico e comercial perde importância relativa, mantendo-se, no entanto, como um entreposto comercial e estratégico significativo na rota do ouro saariano. A cidade recebe diversas famílias judias espanholas após 1490, mas a sua segurança só é alcançada quando a sua praça-forte é ampliada e reforçada a partir de 1509.

Existe um facto, ocorrido com a tomada de Arzila, que vai explicar os diversos cercos com o objetivo de expulsar a presença portuguesa. Na sequência traumática do aprisionamento de Dom Fernando, imortalizado como “Infante Santo” (1402/1443), na fracassada expedição de 1437, quando os portugueses ocupam Arzila aprisionam um filho do defensor da cidade, Mulai Ech-Cheikh, e reenviam-no para Lisboa para aprender a língua e os costumes portugueses. O objetivo era trocá-lo pelos ossos do Infante quando tal fosse possível. Pela sua estadia em Portugal virá a ser conhecido por L-Bartqiz, o Português, ou Mohammed Al-Burtughali. Regressado a Marrocos é aclamado Rei de Fez e de imediato tenta reconquistar Arzila. Tendo no I Cerco, em 1508, conseguido entrar na cidade e obrigado ao que restava da guarnição portuguesa comandada por D. Vasco Coutinho a refugiar-se no castelo. Se não fosse a Armada Castelhana comandada por Pedro Navarro, a presença portuguesa teria sido logo aí interrompida. No ano seguinte outro Cerco surge, mas prontamente a presença naval portuguesa faz com que o seu efeito seja mínimo e nada comparado com o anterior. Depois de um interregno longo só em 1516, no decurso do III Cerco, é que Arzila é seriamente ameaçada. É neste último Cerco que, em plena juventude, Cristóvão Dória de Sousa deve ter tido o primeiro contacto com Arzila.


                        Algarve e Norte África 

 

Retomando a biografia de Cristóvão Dória (de Sousa), sabemos que foi filho bastardo de Francesco / Francisco Dorea (Genova~1455/ Sevilha~1512), mercador e banqueiro genovês, com grandes interesses comerciais em Sevilha e que se estendiam a Portugal.  É possível que tenha tido negócios em Arzila, mas muito pouco provável que aí tenha vivido ou tido os seus filhos de mulher portuguesa e, presumivelmente, de apelido Sousa.

Por definhamento comercial, estratégico e político face a Ceuta e Tânger só muito mais tarde, no ano de 1520, Dom Manuel I de Portugal cria a feitoria de Arzila e é criada a Esquadra ou Armada do Estreito para proteger a navegação e comércio português nas águas do Norte de África num raio de ação que compreendia a costa algarvia, o Golfo de Cádiz, o Estreito de Gibraltar e a costa do Magreb.  

 

Nota: Muito existe para contar na ascendência de Cristóvão Dória (de Sousa), mas será deixado para outra ocasião se tiver oportunidade. A sua origem italiana e o envolvimento da sua família no financiamento da expansão portuguesa, permite perceber que estamos perante uma personagem de origem estrangeira que rapidamente se integrou na sociedade portuguesa. Facto que aconteceu com frequência neste período onde a fixação de imensas famílias estrangeiras estão na base do exercício de diversas profissões náuticas e no povoamento que, nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, tomaram proporções que é impossível ignorar. Em estudos sobre a origem dos povoadores, no início da expansão portuguesa, quando é referido o papel que os estrangeiros ou os filhos recentes de estrangeiros desempenharam, no povoamento e organização territorial, Cristóvão Doria de Sousa é citado. A título de exemplo: VIEIRA, Alberto (2009) A emigração portuguesa nos Descobrimentos. Do litoral às Ilhas. Portuguese Studies Review – Special Double Issue in Honor of Ursula Lamb, The Evolution of the Portuguese Atlantic; Volume 15; nº 1 e 2 p.84

Consulta Online possível:

https://books.google.pt/books?id=Xkk8AwAAQBAJ&pg=PA84&lpg=PA84&dq=Cristov%C3%A3o+Doria+de+Sousa&source=bl&ots=OII9dwco1E&sig=ACfU3U3BhH_IOiZoGFbC20i-bOvy5cWiDQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjo1Niu0NHoAhW6AmMBHeWOAJUQ6AEwA3oECAsQKw#v=onepage&q=Cristov%C3%A3o%20Doria&f=false(28.01.2020)

 

Existem muitas razões a contribuírem para a confusão, diria de fora mais enfática, baralhação de acontecimentos que tornam com rigor difícil estabelecer uma linha condutora sobre a vida de Cristóvão Doria de Sousa. É possível confundir-se o pai com o filho. Francesco Dorea terá falecido em Sevilha em 1510, nunca pode ter participado no III Cerco de Arzila de 1516. O seu filho sim, até pela carreira militar que realizou. É mero erro de troca de pai pelo filho esta descrição: “Francisco Doria, Genovez, e primo do grande André Doria, que fervia voluntário ein Arzila, debaixo das nossas bandeiras. Nesta situação se achavão os seus defensores generosos, quando chegarão de socorro Ruy Barreto e Garcia Mello com doze caravelas, carregadas de tropas escolhidas” FARIA DE CASTRO, Damião António de lemos (1788) história Geral de Portugal e suas conquistas oferecida à Rainha Nossa Senhora D. Maria I, Tomo XI; Lisboa, p.89.

Noutros casos a confusão provem da forma como acontecimentos reais são apresentados, de forma descontinuada e sem relação direta. SILVA LOPES, que não tem dúvidas em dizer que Cristóvão Dória (de Sousa) é natural de Faro, relaciona dois factos reais da sua vida, mas que não estão correlacionados:“Chistovão Doria, natural de Faro, sendo capitão de huma galé no tempo em que era general de seis D. Fernando de Noronha, com ella, só, perseguio o Rabadão, corsário de grande nomeada entre os Mouros, e o venceo nas Areias Gordas, dando a liberdade a 137 captivos que o Mouro trazia a bordo, por cuja façanha lhe fez el rei mercê de governador da Ilha de S. Thomé, dendê escreveo à rainha D. Catharina em data de 4 de novembro de 1562 participando-lhe as desordens que havia por morte d`el-rei de Congo (Part. 1. Maço 106. Doc 31. – L. I. do Reg. Da Cam. De Faro f. 57.)”. SILVA LOPES, João Baptista (1841) Corografia ou memoria económica, estatística e topográfica do Reino do Algarve, Lisboa, Tipografia da Academia Real das Sciencias de Lisboa, p.417. 

Consulta Online possível:

https://books.google.pt/books?id=ohUfAAAAMAAJ&pg=PA417&lpg=PA417&dq=cors%C3%A1rio+Rabad%C3%A3o&source=bl&ots=xWgtj--kLe&sig=ACfU3U2IcFe9fFqX-6GnVHheXLu1Pu48Ig&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjZ0LfdmMvqAhXh1uAKHdYrAkUQ6AEwAnoECAkQAQ#v=onepage&q=Christov%C3%A3o%20Doria&f=false (10.06.2020)

Entre este acontecimento e a nomeação para Governador de S. Tomé e Príncipe decorrem 40 anos. Não faz qualquer sentido relacionar os dois acontecimentos que estão distanciados por 3 Reinados (Dom Manuel I 1495/1521; Dom João III 1521/1557) e Dom Sebastião 1557/1578). Como se o primeiro tivesse sido determinante para o segundo. É uma evidência que Cristóvão Dória de Sousa teve actividade em tão longo período. Procurando essa lacuna, foi possível reconstruir alguns percursos de forma consistente.

 

Muito provavelmente Cristóvão Dória (de Sousa), nasceu em Faro, Quelfes ou Moncarapacho, de onde a sua mãe seria natural. Desconhece-se em que termos foi ou não perfilhado pelo pai, mas deve ter sido, num processo habitual na época. De outro modo dificilmente teria tido o seu peculiar percurso de vida. Só assim se compreende que tenha seguido uma carreira militar na Armada em paralelo com uma comercial, tendo casado com D. Constança de Menezes.

Provavelmente o primeiro serviço relevante que realizou, ao serviço do Reino de Portugal, tenha sido a participação no cerco de Arzila em 1516, sendo ainda menor e solteiro. É natural que após ter estado no 3º Cerco de Arzila e aí ser notado, regressado ao Algarve e após ter formado família, se mantivesse com residência em Faro. Integrado na marinha, deve ter participado em diversas escaramuças, chegando a capitão de galé e notabilizando-se nalgumas delas como se refere SILVA LOPES:  “…Chistovão Doria, natural de Faro, sendo capitão de huma galé no tempo em que era general de seis D. Fernando de Noronha, com ella, só, perseguio o Rabadão, corsário de grande nomeada entre os Mouros, e o venceo nas Areias Gordas, dando a liberdade a 137 captivos que o Mouro trazia a bordo”. Deve se ter incorporado na Esquadra ou Armada do Estreito, criada em 1520 por Dom Manuel I, e que teve no Adail de Azamor Vasco Fernandes César, capitão de caravela, o principal comandante e como 1º capitão geral D. Pedro Mascarenhas que, 5 anos depois, foi nomeado capitão-mor de Malaca (1525-1526). Faz sentido que tenha sido por escolha, influência e via protetora de D. Pedro Mascarenhas que Cristóvão Dória se tenha deslocado para a costa oriental da Índia desempenhando, simultaneamente, um papel militar e comercial que não era estranho na sua tradição familiar paterna.

 

Referência importante: Antes de continuar a descrever a trajetória de Cristóvão (Dória) de Sousa no subcontinente indiano, até pelas datas próximas em que D. Pedro Mascarenhas foi para Malaca (1525) e D. Vasco da Gama regressou a Goa (1524), é importante não o confundir com Cristóvão de Sousa (Tavares), apesar de pontualmente o primeiro poder ser referido como Cristóvão de Sousa e o segundo, como vou exemplificar, frequentemente nessa forma omitindo o Tavares. O que têm em comum é terem estado, simultaneamente, na Índia Portuguesa participando na expansão e consolidação do espaço ultramarino português.

Cristóvão de Sousa (Tavares) é escolhido em 1524 e acompanha Vasco da Gama (1469/1524) na sua última ida à Índia e onde veio a falecer em Cochim. Esta última viagem de Vasco da Gama, quando estava usufruindo em Évora de uma posição social invejável fruto do que muito anteriormente tinha feito, tem de ser entendida como um recurso Régio para minimizar o que falhava na administração portuguesa no Oriente. Aceita o desafio mas com condições de logística e de escolha dos participantes. É nestas circunstâncias que Cristóvão de Sousa (Tavares), habitualmente, apenas, Cristóvão de Sousa acompanha Vasco da Gama ao Oriente. Sabemos, também, que seria intenção colocá-lo em Chaul: “Aliás, nota-se a preocupação do vice-rei por iniciar imediatamente, logo que chega à Índia, a remodelação dos comandos locais. Quase todos os capitães das fortalezas são substituídos por homens que com ele chegam de Portugal: Henrique de Meneses (filho de D. João de Meneses), em Goa, Lopo Vaz de Sampaio (filho de Diogo de Sampaio), em Cochim, Pedro de Mascarenhas (filho de João Mascarenhas), em Malaca; Simão de Menezes (filho de D. Rodrigo de Menezes), em Cananor, Cristóvão de Sousa, em Chaul, António da Silveira de Menezes (filho de Nuno Martins da Silveira), em Sofala”. ADÃO DA FONSECA, Luís (1998) Vasco da Gama, O homem, a viagem, a época, ed. do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998. p.73.

Consulta Online possível:

file:///C:/Users/JPE/Downloads/VascodaGamaadaodafonseca000095903%20(2).pdf (10.06.2020).

Uma curiosidade. O único que não é citado com a paternidade é o Cristóvão de Sousa, tio de Francisco de Sousa Tavares e Belchior de Sousa Tavares. Recordo-me que, num primeiro contacto com este texto, ter pensado que poderia ser o nosso Cristóvão (Dória) de Sousa, apoiando-me que era o único que não se citava paternidade e sem o apelido Dória, consequência de ser bastardo mas, sobretudo, filho de um estrangeiro, Francesco Dória, nascido em Génova e falecido em Sevilha. O trabalho de investigação universitária são fonte, preciosas e fundamentais, que ajudam a eliminar estas hipóteses que surgem. Exemplificando no caso:

Consulta Online possível:

MARTINS de CARVALHO, Andreia (2006) - Nuno da Cunha e os capitães da Índia (1529-1538), Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa (séculos XV-XVIII), UNL/FCSH.

http://www.cham.fcsh.unl.pt/ext/files/varia/tese_andreia.pdf   p. 89 (10.06.2020)

Ao terminar esta incursão na vida de Cristóvão de Sousa, capitão de Chaul de 1524 a 1527, não posso deixar de anotar que a sua missão não deve ter sido fácil e tinha muito de simbólico e honorífico. Proveniente da memória da Batalha Naval de Chaul, derrota portuguesa ocorrida em 1508 e onde o filho do Vice-Rei D. Francisco de Almeida, D. Lourenço de Almeida, perdeu a vida. A primeira tentativa de estabelecimento português em Chaul, um promontório rochoso a 108 Km a Sul de Bombaim, registou-se em 1521, mas tratava-se de uma ocupação intermitente que só em 1531 teve caracter de permanência e efetiva com a construção da fortaleza de Santa Maria do Castelo.

 

 

Índia Portuguesa

 

Cristóvão Dória de Sousa estabelece-se na costa oriental da Índia onde deve ter actuado como militar e mercador. MENDES PINTO refere-se a ele, com data de 1544, como “homem honrado e mercador rico”. Se nessa altura tinha esse estatuto é porque já se teria estabelecido na Índia portuguesa anteriormente. Com probabilidade no decurso da década de 30 para já ter esse estatuto: É citado na Peregrinação, num episódio que se passa em 1544, como mercador rico: “Um destes Portugueses era um tal Cristóvão Dória, que nesta terra foi depois mandado por capitão a S. Tomé, e os outros dois eram Luís Taborda e Simão de Brito, todos homens honrados e mercadores ricos. MENDES PINTO, Fernam/Fernão, Peregrinaçam/Peregrinação (1º ed 1614/Versão em português moderno, por Adolfo Casal Monteiro 1952, p 123.

Consulta possível Online: the Pennsylvania State University - Library

https://books.google.pt/books?id=ErgbAQAAMAAJ&pg=PA123&lpg=PA123&dq=Crist%C3%B3v%C3%A3o+Doria+na+India&source=bl&ots=VhBr_JGscw&sig=ACfU3U3jmWo0M6BMHwQRvMYErYL-HoMeRA&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwi24sTMxNvpAhVE8BQKHbGkCj4Q6AEwAXoECAoQAQ#v=onepage&q=Crist%C3%B3v%C3%A3o%20Doria%20na%20India&f=false (01.05.2020).

 

Com segurança e com apoio de documentação sabemos, com exatidão, que estava fixado na Índia portuguesa no final da primeira metade do século XVI quer como militar quer como mercador. Graças à proliferação de teses universitárias, realizadas nos últimos anos, pode-se hoje concluir que não apenas Cristóvão Dória de Sousa esteve na região de Coromandel na Índia Oriental, mas mais precisamente em Negapattinam/Negapatão. Para o surgimento e expansão rápida da proliferação de portugueses, ao se utilizar a estratégia de ocupar ou criar pequenos portos fortificados, descentralizados e com interesses organizacionais e comerciais autónomos, criaram-se as condições para o surgimento de lideranças locais em que o comando militar e comercial se complementavam. Neste contexto Cristóvão Dória de Sousa teve o seu nicho em Negapattinam: “Os portugueses que assim se foram estabelecendo no Coromandel e em Bengala, e os seus descendentes, constituíram a certa altura uma rede dispersa de povoações e cidades onde Colombo, no Ceilão, representava um centro na hierarquia do poder de Goa – os vereadores do conselho que administrava Hugli, sendo eleitos, eram sancionados por Colombo – em que S. Tomé de Meliapor adquiriu um estatuto de grande entreposto comercial e financeiro mas sobretudo de centro de uma veneração e inspiração religiosa que tocava toda a rede de portugueses. Seria até a capital ou centro desta rede informal que se constituiu e chegou a ter a liderança de alguns homens como Miguel Ferreira, António Mendes de Vasconcelos, Brás de Góis e Cristóvão Dória. Apoiando-se na obra de outro investigador, Jorge Manuel Flores, esta investigação conduzida por José Freire da Silva cita «curiosamente, estes quatro homens actuam quase sempre em harmonia o que põe a claro uma aguda consciência de grupo». Assim, «Negapattinam é o “feudo” de António Mendes de Vasconcelos e de Cristóvão Dória enquanto a colónia portuguesa de S. Tomé é tutelada por Miguel Ferreira, “acolitado”, ao que parece, por Brás de Góis». Entre aspas citação retirada de FLORES, Jorge Manuel (1992) Os Portugueses e o Mar de Ceilão. Trato, diplomacia e guerra (1498-1543), Cosmos. Fonte da citação completa de FREIRE da SILVA, José (2014) S. Tomé de Meliapor em fins do séc XVII na Storia do Moghor de Niccolao Manucci, Mestrado em Estudos de Património, U. Aberta.

Consulta Online possível:

file:///C:/Users/JPE/Downloads/TMEP_JoseSilva%20(26).pdf (09.06.2020)

Com residência na costa Oriental da Índia, na denominada Costa do Coromandel, sabe-se que daí partiu quando participa no II Cerco de Diu em 1546 “A derradeira armada de socorro partiu de Goa a 20 de Setembro, capitaneada pelo próprio D. João de Castro, com cerca de 25 fustas e catures e 3 galeões. Composta essencialmente por casados e moradores da cidade, esta frota foi crescendo exponencialmente na viagem até Diu. Analisaremos este reforço mais adiante, no capítulo que lhe é dedicado. Como acabámos de ver, a composição destas armadas era socialmente diversificada. Pela falta de gente, situação que já observámos anteriormente, o Governador via-se obrigado a recorrer a tropas locais. Oferecendo-lhes treino militar, estes «indígenas» chegavam a combater ao estilo europeu – veja-se o caso dos lascarins arcabuzeiros, enviados com D. Álvaro de Castro. Os casados de Goa, Chaul e Baçarim tiveram também um papel fulcral, constituindo o núcleo principal de reforços portugueses enviados. Encontramos alguns homens e navios enviados de outras fortalezas, mas em número muito pontual. É o caso de Cochim que, além de queixas do mau tempo (tentando justificar a sua pouca cooperação), acabou por mandar alguns navios, não obstante a grande falta de remeiros; de Cananor, onde Manuel de Vasconcelos, despachou alguns navios ligeiros e rápidos, e de um catur armado por um pobre com dinheiro emprestado remetido da Chale. Retenha-se ainda, por exemplo, que de Coromandel – onde uma grande comunidade de portugueses se instalara – apenas um punhado de homens acompanhou o governador, dos quais se destaca Miguel Ferreira, Cristóvão Doria, Brás de Gois e Luís de Melo” PESSOA DE JESUS Roger lee (2012) O segundo Cerco de Diu 1546, Estudo de História Política e Militar, dissertação de Mestrado, UC, p 105; investigação com fontes primárias, as quais nesta análise tem relevância: “Apenas Miguel Ferreira, Cristóvão Doria, Brás de Gois e Luís de Melo”, carta D.J.C: ao Rei (16:XII 1546) pp 312-314

Consulta Online possível:

file:///C:/Users/JPE/Downloads/%C2%ABO%20Segundo%20Cerco%20de%20Diu%20(1546).%20Estudo%20de%20Hist%C3%B3ria%20Pol%C3%ADtica%20e%20Militar%20-%20Roger%20Lee%20de%20Jesus%20(1).pdf (01.05.2020)

Na sequência da sua participação no II Cerco de Goa, adquire umas casas na cidade pertencentes a Nuno Pereira fidalgo, falecido nessa contenda e morador na rua de Figueiredo e Terreiro: Este fidalgo com negócios em Melinde, "casado de Goa" e capitão de Dabul (Lendas, passim), foi herói do 2° cerco de Diu, em consequência do qual morreu. As suas casas foram vendidas a alto preço pela viúva, Maria Nunes, a Cristóvão Dória e estavam perto das ocupadas por D. João de Castro (Obras 3, 396).) MOREIRA, Rafael (1995) Goa em 1535 uma cidade Manuelina, Dep. História de Arte da Revista da FCSH, p. 202.

Consulta Online possível:

file:///C:/Users/JPE/Downloads/RFCSH8_177_221%20(3).pdf (12.06.2020)

Depois do cerco de Diu, e apesar de aí ter constituído património como se demonstrou, não se consegue saber se manteve-se nessa cidade, voltou para a Costa do Coromandel ou teria passado a Portugal. Entre 1546 e 1561, 15 anos, entramos em novo período não esclarecido sobre a sua vida. A 11 de Julho de 1661 é nomeado Governador da Ilha de S. Tomé (11-7-1561. ATT. — Chancelaria de D. Sebastião, liv. 6,fl. 360 v”). Refira-se que D. Pedro Mascarenhas (Mértola 1484 - Goa, 16.06.1555), após notável atividade como embaixador na S. Sé junto do papa Paulo III, em que obteve a aprovação da participação da Companhia de Jesus nas missões na Índia, ainda regressaria à Índia em 1554, na qualidade de Vice-Rei da Índia Portuguesa, cargo que ocupou durante um ano até à sua morte em 1555. Não sabemos se Cristóvão Dória de Sousa se encontraria no Oriente nessa altura. Seria muito interessante saber onde se encontrava quando foi nomeado Governador da Ilha de S. Tomé no ano de 1561, local em que chegou, temporariamente, a estar excomungado.

 

 

 

Em S. Tomé e Príncipe (1561/1564)

 

Cristóvão Dória de Sousa (Chistouam dOria), na sua qualidade de Capitão de S. Tomé e Príncipe, manteve com o Bispo D. Frei Gaspar Cão um conjunto de atritos em torno de competências e prerrogativas que se lhe saldaram pela excomunhão temporária. O Bispo foi acusado de usurpar a jurisdição e a representação da Capitania Régia, respondendo Cristóvão Dória de Sousa com o incitamento da população a não acatar as ordens do Bispo que mereceria ser detido: “Em resposta D. Frei Gaspar Cão excomungou-o e impôs-lhe, tal como ao ouvidor e aos vereadores, uma pena pecuniária. As questiúnculas com este bispo chegaram mesmo a Roma. Pio V recebeu diversas denúncias, quer de natureza espiritual, como temporal, destacando-se as acusações de negligenciar a acção pastoral, de não prover clérigos, de pactuar com o concubinato, de possuir fazendas e de participar no tráfico de escravos, entre muitas outras. Mas as acusações não se confirmaram e o bispo foi ilibado de todas as acusações pela sentença do cardeal D. Henrique de 14 de Março de 1571 72”. FONTE: CUNHA PINHEIRO, Luís A conflitualidade social e institucional em S. Tomé ao longo do século XVI - Centro de História de Além-Mar FCSH/UNL p..13.

http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/luis_cunha_pinheiro.pdf (01.05.2020)

De forma exaustiva esta situação conflituosa pode ser seguida na seguinte obra, testemunho do trabalho fantástico que o Ministério do Ultramar patrocinou, reunido na Monumenta Missionária Africana da autoria de António Brásio.

Consulta online:

Monumenta Missionária Africana (África Ocidental (1570-1599) colegiada e anotada pelo Padre António Brásio, VOL. III, Agência Geral do Ultramar, Divisão de Publicações e Biblioteca, Lisboa / MCMLIII, RP-UM, pp. 12-33.

   file:///C:/Users/JPE/Downloads/MMA_completo_Vol_3%20(1).pdf (30.07.2020)

 

Sabe-se que em 1564 foi substituído por Francisco de Gouveia. Perde-se o seu rasto a partir desta data, mas muito provavelmente regressa ao Algarve. Na casa dos 60 anos deve ter, na cidade de Faro ou nas suas proximidades, falecido sendo considerado e reconhecido. Só assim se explica que Faro sempre o tratou como um dos seus naturais mais prestigiados, facto que atesta uma rua ostentar o seu nome, volvidos mais de 450 anos. É obra na toponímia urbana. Espaço privilegiado para sobreporem-se nomes ao sabor de purgas de “Regimes”, “Ideários” e, mais recentemente, “ideologias”.



Síntese Final

Ao realizar esta contribuição, para uma biografia mais consistente de Cristóvão Dória de Sousa, não posso deixar de indicar que foi no contexto da pandemia covid19, dos vários confinamentos e isolamentos profiláticos que a sistematizei cronologicamente. Foi muito importante terem estado disponíveis mais fontes de consulta de forma online. O tempo é o factor mais limitativo, superado esse, mesmo em confinamento é possível muito pesquisar. Recebemos sempre estímulos humanos, mesmo via Teams, Zoom ou Hangouts. O ter tido conhecimento que se preparam para remexer na família Figueiredo Mascarenhas de Faro, mais me apeteceu apresentar o sogro de Gaspar de Figueiredo Mascarenhas, CF da Casa de Dom João III; Capitão-mor de Faro; Alcaide-mor de Faro, em Regime de Serventia por menoridade do detentor do Cargo, após a morte de Rui Barreto em 1559. Foi nessa qualidade de representante, em serventia, da Alcaidaria da cidade de Faro que foi um dos subscritores do auto da entrega da cidade a Dom Filipe II de Espanha, I de Portugal (12.07.1580).


 

 

   Faro